BUGANVÍLIAS |
Me mudei para Belo Horizonte ainda criança. Me lembro dos passeios com minha mãe pela cidade. Pegar ônibus, ir ao centro enfrentar aquele mundo de gente, entrar e sair de lojas em busca de um preço mais simpático. Olhar fixo no chão e nas pernas que se entrecruzavam, me desviava e, ao mesmo tempo, acompanhava o puxão firme no braço, conduzido pela marcha frenética de minha mãe. E então ouvia um grito. Assustada, procurava o motivo que a fizera parar. Assalto, esbarrão, pisada no pé talvez. Mas todas as vezes, e não foram poucas, percebia que seu olhar se havia desviado para outra direção. E em seguida ouvia: "Que maravilha está essa Castanheira!" ou "Aquela é uma Quaresmeira, minha filha, símbolo da cidade", e outras vezes "Olha que vontade de viver, a das plantas. As raízes quebram a calçada com sua força!" Fatos eram sempre acompanhados de nomes, que foram aos poucos acrescentados à minha lista: Flamboyant, Pata de Vaca, Acácia Japonesa, Buganvília, Orquídea, Violeta, Lírio, Boca-de-Lobo, Amor-Perfeito, Hortência...
Antes da mudança para a capital, a casa de minha avó materna era o próprio paraíso. Naquele lugar, onde eu e meus primos explorávamos cada centímetro do extenso terreno em nossas brincadeiras de aventura, minha mãe foi criada. Lá ouvimos várias histórias de moleques pulando os muros para pegar frutas nas diversas árvores do quintal. De como elas muitas vezes mataram a fome dos doze irmãos. De linhas e flores que se transformavam em coroas e colares. Histórias de enxertos, adubos e cuidados da terra, paixão de meu avô por suas plantinhas. E de sua coleção de madeiras mantida no porão, colhidas durante suas andanças pela cidade. Muitas vezes, furtivamente acabavam no fogão à lenha, gente demais pra alimentar. Descoberto o delito, inflamava-se meu avô. Rapidamente retirava seu tesouro do fogo, o apagando. "Isso é Pinho de Riga! Isso é Pinho de Riga!"
Hoje em dia é comum, quando estou com meus amigos, parar e dizer: "Como estão lindos esses Brincos de Princesa" e receber em troca olhos interrogativos. Se espantam pelos nomes que guardo. À sombra de uma árvore que se encontra em frente à faculdade, onde nos assentamos diariamente, folhas que caem nos cabelos ou formigas que transitam por nossas pernas se transformam em queixas. Num desses dias vi uma pequena Ameixeira que se encontra no mesmo local ser violentamente sacudida. Um homem buscava tirar proveito de seus frutos. E brutamente a importunava, derrubando vários deles no chão. Escolheu alguns, ignorou o resto. Desaprendemos a olhar.
No entanto, entrei no campus aquele dia e decidi não ver os prédios concretos e simétricos que se espalham em meio às copas. Prédios cheios de livros, livros cheios de nomes. Nomes dos quais fiz questão de me esquecer. Me ceguei para a o vagar acadêmico dos passantes, míopes, cheios da sede ortodoxa por termos cunhados em laboratórios, embebidos de importância asséptica.
Entrei no campus e me deixei envolver pela névoa que paira sobre a reserva ecológica bem cedinho de manhã, banhada pelos raios que se espreguiçam sobre aquele friozinho úmido. Reparei no passarinho incomum de cauda comprida, camuflado em meio aos galhos. Notei os gatinhos se enroscando pelos gramados, tranqüilos e livres, donos daquele território soberano. Deixei o rosa dos Ipês me inundarem de beleza. Acompanhei a leveza do Salgueiro a sombrear um banco de jardim. Lembrei-me dos nomes tão significativos que popularam minha pequena enciclopédia verde. E senti o real privilégio que há em adentrar aqueles portões diariamente.
Lívia Amaral Ladeira
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