sábado, 31 de outubro de 2009

PÁSSAROS LIVRES

Meu pai era interno da antiga Escola Agrícola de Barbacena. Lá chegou aos quatorze anos, lá estudou e lá trabalhou até sua aposentadoria. Ele era um grande amante da natureza, lidava sempre com plantas e animais. Ele era um ambientalista quando esta palavra ainda era desconhecida.

Comprou uma grande área, lá construiu nossa casa. A área era cascalho puro, mas ele disciplinadamente, metodicamente adubava. 

Como? Naquelas décadas de 30, 40, 50, no interior, onde muito transporte era feito por cavalos e havia muito esterco pelos pastos e ruas, os meninos o catavam e vendiam em latas de 20 litros. Era uma troca prazerosa para meu pai, que adubava a horta, e para a molecada que ganhava um troco e que já tinha o freguês certo. Essa troca aconteceu enquanto havia facilidade de encontrar o esterco.

E assim, nesta grande área, papai plantava todo tipo de vegetação. Tanto árvores frutíferas quanto ornamentais. Ali então, vinham aves e animais de várias espécies atrás das frutas. Meus pais tinham prazer em observar tais visitantes e aprendíamos com eles a respeitá-los. Gaiolas, nem pensar! Aprendemos a ver os animais cantando e voando livres.

Como toda criança, adorávamos ir para a casa de nossos avós maternos. Lá se encontravam todos os primos, que eram muitos. 

Meu avô tirava o seu sustento de um botequim onde comercializava doces, salgados, verduras e frutas. As verduras eram compradas da colônia dos imigrantes italianos que, fugindo da Primeira Grande Guerra, se estabeleceram em Barbacena.

Os salgados e doces ficavam numa enorme vitrine. E cada primo tem uma história para contar dos doces e salgados que surrupiávamos de nosso avô. Tinha uma geléia de mocotó em pedaços e uma empadinha que eram nossa tentação! Quando meu avô se afastava para tomar o café ou ir ao banheiro, enquanto um primo vigiava, o outro abria aquela enorme porta da vitrine, com muito cuidado, para que não rangesse. E quando conseguíamos, íamos comer juntos, rindo muito da travessura.

Dentro da enorme casa, cheia de cômodos, havia um com gaiolas penduradas do chão ao teto com dezenas de pássaros de grande valor, os quais eram comercializados por meu avô. Meus irmãos, um dia, entrando naquele cômodo, e tendo em mente os ensinamentos de meu pai, foram abrindo todas as portas das gaiolas e libertando os passarinhos. Quando meu avô viu, ficou irado. Meus irmãos voltaram correndo para casa. Quando minha mãe soube do fato, deu uma boa surra nos dois.

Recordo-me deles, agachados num canto e, após chorarem muito pela surra, me contaram rindo:
- Precisa ver a alegria deles, saindo em revoada pela janela, cantando, livres.

Hoje, lembrando-me daquela atitude, imagino como seria bom ver pessoas com o mesmo prazer e coragem de meus irmãos de abrirem as gaiolas de suas casas, dos zoológicos, dos circos, dos laboratórios pelo mundo afora e se comprazerem com a liberdade dos animais.

Graça Leal

Um comentário:

  1. Que lindo, nós nunca tivemos passarinhos em gaiolas, me dá uma tristeza.

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