sexta-feira, 23 de outubro de 2009

LEISHMANIOSE TEM TRATAMENTO

Saúde Animal

Leishmaniose: hora de acabar com extermínio !

19 Oct 2009

Por Regina Macedo e Fowler Braga

A sociedade civil organizada, as ONGs individualmente ou em grupos, os médicos veterinários, os ambientalistas, os protetores independentes de animais devem “acordar” e agir para também “acordar” as autoridades constituídas e exigir providências para deter o gravíssimo avanço da Leishmaniose e, principalmente, para mudar o foco do combate que ainda é o extermínio em massa de cães em áreas endêmicas.

Há, ainda, que se trabalhar pela difusão de informações técnicas, o aprimoramento do diagnóstico, e a disseminação de métodos preventivos. Tais conclusões e posturas foram fruto do Seminário de Atualização Técnica “Leishmaniose Visceral Americana”, promovido pelo Projeto Focinhos Gelados, dia 16 de outubro de 2009, em São Paulo.

Um evento dirigido a médicos veterinários e estudantes, e que contou com a participação de técnicos e pesquisadores que realmente lutam para mostrar que o extermínio de animais além de não conter a disseminação da doença tem ampliado o número de regiões endêmicas.

Um evento primoroso para o processo de conscientização e disseminação de conhecimento, que foi ameaçado por uma medida considerada arbitrária do CRMV-SP, que tentou barrar a realização do Seminário, recorrendo à Procuradoria da República de São Paulo. O presidente do CRMV-SP, Dr. Francisco Cavalcanti de Almeida, tentou impedir a realização do evento, através de uma medida no mínimo equivocada: provocando a Procuradoria da República em São Paulo e inclusive acenando para a possibilidade de abrir processo disciplinar para apurar eventual falta de ética dos médicos veterinários palestrantes, ameaçados ainda com “sanções penais cabíveis”.

O presidente do CRMV-SP embasou sua atitude na Portaria Interministerial 1.426, de 11 de julho de 2008,na qual os Ministérios da Saúde (MS) e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) proíbem o tratamento de cães infectados pela Leishmaniose Visceral Americana com produtos de uso humano ou produtos de uso animal não registrados no Ministério da Agricultura.

Cavalcanti baseou-se ainda nas conclusões do II Fórum sobre Tratamento da LVC, realizado no início de outubro, em Brasília, pela Secretaria de Vigilância em Saúde, que manteve, em suas conclusões, a recomendação do sacrifício de animais infectados e a proibição do emprego de medicamentos de uso humano.

Teoricamente, este uso poderia provocar o aparecimento de cepas mais resistentes da leishmania, resultando em dificuldades para tratar humanos possivelmente infectados.

O que se deve ressaltar é que, desse fórum realizado na capital do País não participaram técnicos e cientistas que vem lidando diretamente com possibilidades de tratamento dos cães.


EXTERMÍNIO DE CÃES SEMPRE FOI INEFICAZ


Vale lembrar que décadas atrás, a matança generalizada de cães e gatos era preconizada para combater a raiva e, mesmo depois da institucionalização da vacinação em massa desses animais, promovida pelo poder publico, e da disponibilização da vacina a um preço bastante acessível, fora das campanhas públicas, redundando no controle da doença na maior parte do País, o extermínio de cães e gatos acabou institucionalizado, mesmo em áreas onde a raiva é considerada sob controle.

A matança generalizada e por métodos até cruéis (como o eletrochoque e câmaras de descompressão de ar) acabou justificando a incompetência do poder público de controlar, nas várias instâncias, a superpopulação desses animais, um problema crescente no País inteiro.

E agora outra zoonose, a Leishmaniose vem, novamente, justificando a barbárie. A doença é gravíssima, para humanos e animais, principalmente na forma visceral e sua disseminação ainda é cercada por muita falta de informação, ameaçando a população humana e vitimando dezenas de milhares de cães anualmente, muitos sequer realmente portadores da leishmania.

Em algumas cidades, eles são arrancados de suas famílias humanas e mortos de forma brutal. Um cenário absurdo e que precisa ser modificado radicalmente, conforme deixaram claro os pesquisadores participantes do Seminário promovido pelo Projeto Focinhos Gelados.

Durante o evento, as exposições e dados evidenciaram que esta sentença de morte para cães deve, sim, ser contestada e a sociedade civil, incluindo a categoria dos médicos veterinários, precisa informar-se mais e mobilizar-se muito para mudar a decisão radical do Governo Federal de recomendar somente o extermínio de cães. A vacina já está no mercado e, se usada em larga escala, pode ser barateada como é a vacina da raiva e as vacinas espécie-específicas para cães e gatos.

Durante o seminário foi sugerida inclusive a quebra de patente da vacina, como aconteceu no Brasil com os medicamentos destinados ao tratamento da AIDS. Isso porque, imunizar um cão ainda custa caro e até o emprego da coleira repelente pode representar um custo inacessível para boa parte da população. Ainda foi sugerido que se lute pela quebra da patente da fabricação de coleiras à base de Deltametrina (o único repelente realmente eficaz).

Alguns tratamentos vêm sendo aplicados por pesquisadores em cães e vários Estados (e no Exterior), e há necessidade de ampliar tais estudos para realmente comprovar que animais tratados e mantidos sob controle não representam todo o risco para a população humana que o governo federal e alguns Conselhos de Medicina Veterinária insistem em provar.

DOENÇA PRECISA SAIR DA SOMBRA

O certo é que as autoridades sanitárias dos municípios, dos Estados e do governo federal precisam agir e investir maciçamente no esclarecimento, educação e conscientização da população, dos proprietários de animais e, inclusive, dos médicos humanos e veterinários, visando a prevenção da disseminação da doença. Houve muitos avanços em relação ao diagnóstico e aos exames laboratoriais. Inclusive, durante muito tempo o exame chamado PCR era tido como definitivo para diagnosticar a presença ou não da leishmania num animal; no seminário ficou claro que o resultado precisa ser bem interpretado, para não levar a equívocos no diagnóstico.

Mesmo com os avanços e com uma ampla de possibilidades de testes laboratoriais, a realidade aponta para uma dificuldade muito grande de diagnóstico dos portadores da LVA, por parte dos médicos humanos e veterinários.

Exames laboratoriais e a prática do clínico em diagnosticar devem andar de mãos dadas, daí a importância de investir também na conscientização e esclarecimento da classe veterinária, como fez o Projeto Focinhos Gelados.

No caso dos veterinários, grupo foco do seminário de atualização técnica sobre LVA, eles precisam manter-se alertas para a disseminação da doença e para a existência de um número crescente de animais assintomáticos. O profissional deve atualizar-se, manter-se informado sobre os novos estudos e possibilidades de diagnósticos pois a doença, quando o cão é portador mas não traz sinais físicos, pode ser confundida com uma série de outras enfermidades.

A habilidade de diagnosticar e a rapidez das providencias são fundamentais. Também é necessário combater de forma mais efetiva o vetor (flebótomo ou mosquito-palha) e, sobretudo, trabalhar pela prevenção, incluindo-se aí o uso da coleira repelente do flebótomo, bem como a vacinação em massa dos animais (como há anos acontece com a raiva, outra zoonose gravíssima).

A POLÊMICA PORTARIA

O Dr. André Fonseca, médico veterinário e advogado, de Campo Grande, explicou longamente durante o evento promovido pelo Focinhos Gelados, por que defende a revogação pelos Ministérios da Saúde e da Agricultura, da portaria1.426/08, que proíbe o tratamento de cães infectados ou doentes, em todo o território nacional, com o emprego de medicamentos de uso humano ou com produtos veterinários não registrados no Ministério da Agricultura.

Fonseca defende a tese de que, na verdade, os médicos veterinários particulares sequer seriam obrigados a cumprir tal determinação, porque este instrumento – portaria – deve ser cumprido somente por servidores subordinados ao órgão que o expediu.

Além disso, mostrou que o Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul já recomendou aos Ministérios da Saúde e da Agricultura que tal portaria seja revogada, baseando-se em novos estudos e dados que mostram, entre outros pontos, que o tratamento é eficiente para diminuir o risco de transmissibilidade.

O animal tratado permanece portador, mas se devidamente acompanhado não representa um risco de transmissão da doença. A ação que gerou esta recomendação prossegue, o que pode culminar na revogação da portaria, além de gerar uma discussão mais científica que leve em consideração o valor da vida, não somente da vida humana.

Fonseca também defendeu que os órgãos do poder público não podem simplesmente arrancar cães de seus donos, inclusive invadindo residências. Para tanto, elencou todas as leis que defendem o direito de propriedade, inclusive a Constituição Federal. Em várias cidades endêmicas, já foram registrados episódios semelhantes, nos quais, arbitrariamente não se deu aos proprietários nem a chance de produzir contraprova do exame positivo do animal.

Citou ainda o Decreto Federal 51.838/63 que determina o sacrifício de animais contaminados – um instrumento legal que deveria ser revogado por não ter recepção no novo ordenamento legal do País, inclusive a Constituição Federal de 1988, que protege todas as formas de vida, inclusive a fauna doméstica.


FATOR ECONÔMICO, UM AGRAVANTE

O tratamento de cães infectados é possível, conforme pesquisadores vêm demonstrando em vários pontos do País.

No entanto, o que é preciso ter-se claro é que tanto os humanos como os animais infectados, mesmo tratados, serão portadores da doença o restante de suas vidas e deverão ser mantidos sob rígido controle. Os cães deverão ter contínuo acompanhamento de médico veterinário, com a realização de exames laboratoriais periódicos, para verificar se o animal realmente mantém-se não infectante.

Aliás, um dos problemas é a dificuldade em diagnosticar animais sem sinais clínicos evidentes da doença – cães que quando chegam a manifestar sintomas que possam levar o clínico a pensar em leishamaniose, talvez não tenham mais como ser salvos. O agravante é que, mesmo sem sinais clínicos, os animais portadores de leishmania, se picados por flebótomos, podem transmitir a doença (humanos nessas condições, também).

A vacina já está no mercado e para imunizar um animal é necessário, primeiramente, fazer um exame básico para tentar concluir se ele é portador ou não. Se não é, deve receber três doses de vacina, com intervalos de 21 dias. A partir do segundo ano, a revacinação deve ser de uma dose/ano. Duas marcas já estão sendo comercializadas: a Leishmune, da Fort Dodge/Pfizer, e a Leishtec, da Hertape.

A boa notícia reafirmada durante o seminário pelos técnicos presentes é que os animais comprovadamente não portadores da doença, quando vacinados, não passam a ser soropositivos. Quando a primeira vacina chegou ao mercado, ainda havia essa suspeita, e isso poderia gerar controvérsias quando animais fossem submetidos a exames laboratorial para constatar a presença ou não da leishmania. Com a evolução das pesquisas e testes, ficou comprovado que não existe tal perigo.

A vacina tem uma cobertura – afirmaram os especialistas – de mais de 90 por cento e não é possível confundir infectados com vacinados. Mas pela produção ainda reduzida, os preços são inviáveis para boa parte dos proprietários de cães, sobretudo aqueles que tem sob sua guarda muitos animais.

A dosagem inicial, incluindo o exame laboratorial, custa atualmente em torno de 300,00 a 350,00 Reais. A dose da vacina, visando a revacinação, custa entre 80,00 e 100,00 Reais. A coleira que, se usada corretamente, tem a capacidade de repelir os flebótomos evitando que o animal seja picado, custa em torno de 60,00 reais e deve ser substituída a cada 4 meses (180,00 Reais/ano de custo, portanto).

Quanto ao tratamento, durante o seminário não foram abordados os custos, mas em eventos anteriores, os números divulgados foram preocupantes: calcula-se que o tratamento inicial possa custar em torno de 700,00 a 3 mil Reais, exigindo ainda do proprietário uma dedicação intensa, de tempo inclusive, no acompanhamento do animal.

HORA DE EXIGIR REGISTRO E IDENTIFICAÇÃO

Além da necessária união e reação dos setores envolvidos com a defesa da vida animal, para exigir que os governos mudem o foco das ações de combate à Leishamniose, acabando com as ações de sacrifício em massa de cães, em cidades ainda não consideradas como endêmicas, há que se lutar pelo registro e identificação dos animais, com o emprego de microhipagem. É o caso da maior e mais rica cidade do País, que certamente acabará como região endêmica, pois vários municípios ao redor já enfrentam este drama.

Em regiões endêmicas, conforme relato de técnicos participantes do Seminário, o terrorismo provocado pelas ações de agentes de saúde, vem gerando muito abandono de cães, e algumas pessoas até mesmo levam seus animais para outras cidades, para salvá-los ou também deixá-los entregues à própria sorte, o que pode disseminar ainda mais a doença.

Outros ainda chegam ao absurdo de “salvar” o animal escondendo-o dos agentes de saúde e, com isso, muitos contaminados morrem às mínguas trancados em quartinhos ou em fundos de quintal, com o risco de contaminarem outros cães, a família e vizinhos.

A leishmaniose é uma justificativa a mais para que o movimento de proteção e defesa animal de São Paulo (e de outras cidades) liste em suas exigências ao Poder Público o registro e identificação de toda a população animal.

Antes que, justamente a leishmaniose sirva como desculpa do mesmo poder público para praticar o extermínio em massa, sobretudo dos cães sem dono conhecido. Um animal que tem um proprietário consciente, identificado, tem muito mais chances de ser cuidado de forma preventiva (coleira ou vacina) e até de ser defendido caso agentes de saúde queiram eliminá-lo de forma arbitrária. Chances de viver quase nulas para animais abandonados em áreas endêmicas para leishmaniose e outras zoonoses.


Regina Macedo - jornalista ambiental, São Paulo/SP
reginamacedo@terra.com.br

Fowler Braga - coordenador do Projeto Focinhos Gelados
focinhosgelados@focinhosgelados.com.br

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Fonte - http://focinhosgelados.com.br/portal/modules/soapbox/article.php?articleID=14

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