sexta-feira, 11 de janeiro de 2013
DA UTILIDADE DOS ANIMAIS
Terceiro dia de aula. A professora é um amor. Na sala, estampas coloridas mostram
animais de todos os feitios. É preciso querer bem a eles, diz a professora, com um sorriso que envolve toda a fauna, protegendo-a. Eles têm direito à vida, como nós, e além disso são muito
úteis. Quem não sabe que o cachorro é o maior amigo da gente? Cachorro faz muita falta. Mas não é só ele não. A galinha, o peixe, a vaca... Todos ajudam.
— Aquele cabeludo ali, professora, também ajuda?
— Aquele? É o iaque, um boi da Ásia Central. Aquele serve de montaria e de burro de carga. Do pêlo se fazem perucas bacaninhas. E a carne, dizem que é gostosa.
— Mas se serve de montaria, como é que a gente vai comer ele?
— Bem, primeiro serve para uma coisa, depois para outra. Vamos adiante. Este é o texugo. Se vocês quiserem pintar a parede do quarto, escolham pincel de texugo. Parece que é
ótimo.
— Ele faz pincel, professora?
— Quem, o texugo? Não, só fornece o pêlo. Para pincel de barba também, que o Arturzinho vai usar quando crescer.
Arturzinho objetou que pretende usar barbeador elétrico. Além do mais, não gostaria de pelar o texugo, uma vez que devemos gostar dele, mas a professora já explicava a utilidade do canguru:
— Bolsas, malas, maletas, tudo isso o couro do canguru dá pra gente. Não falando na
carne. Canguru é utilíssimo.
— Vivo, fessora?
— A vicunha, que vocês estão vendo aí, produz... produz é maneira de dizer, ela fornece, ou por outra, com o pêlo dela preparamos ponchos, mantos, cobertores etc.
— Depois a gente come a vicunha, né fessora?
— Daniel, não é preciso comer todos os animais. Basta retirar a lã da vicunha, que torna crescer...
— E a gente torna a cortar? Ela não tem sossego, tadinha.
— Vejam agora como a zebra é camarada. Trabalha no circo, e seu couro listrado serve para forro de cadeira, de almofada e para tapete. Também se aproveita a carne, sabem?
— A carne também é listrada? — pergunta que desencadeia riso geral.
— Não riam da Betty, ela é uma garota que quer saber direito as coisas. Querida, eu nunca vi carne de zebra no açougue, mas posso garantir que não é listrada. Se fosse, não deixaria de ser comestível por causa disso. Ah, o pingüim? Este vocês já conhecem da praia do
Leblon, onde costuma aparecer, trazido pela correnteza. Pensam que só serve para brincar?
Estão enganados. Vocês devem respeitar o bichinho. O excremento — não sabem o que é? O cocô do pingüim é um adubo maravilhoso: guano, rico em nitrato. O óleo feito com a gordura do pingüim...
— A senhora disse que a gente deve respeitar.
— Claro. Mas o óleo é bom.
— Do javali, professora, duvido que a gente lucre alguma coisa.— Pois lucra. O pêlo dá escovas de ótima qualidade.
— E o castor?
— Pois quando voltar a moda do chapéu para homens, o castor vai prestar muito serviço. Aliás, já presta, com a pele usada para agasalhos. É o que se pode chamar um bom exemplo.
— Eu, hem?
— Dos chifres do rinoceronte, Belá, você pode encomendar um vaso raro para o living de sua casa. Do couro da girafa, Luís Gabriel pode tirar um escudo de verdade, deixando os pêlos da cauda para Teresa fazer um bracelete genial. A tartaruga-marinha, meu Deus, é de uma utilidade que vocês não calculam. Comem-se os ovos e toma-se a sopa: uma de-lí-cia. O casco serve para fabricar pentes, cigarreiras, tanta coisa... O biguá é engraçado.
— Engraçado, como?
— Apanha peixe pra gente.
— Apanha e entrega, professora?
— Não é bem assim. Você bota um anel no pescoço dele, e o biguá pega o peixe, mas não pode engolir. Então você tira o peixe da goela do biguá.
— Bobo que ele é.
— Não. É útil. Ai de nós se não fossem os animais que nos ajudam de todas as maneiras.
Por isso que eu digo: devemos amar os animais, e não maltratá-los de jeito nenhum. Entendeu,
Ricardo?
— Entendi. A gente deve amar, respeitar, pelar e comer os animais, e aproveitar bem o pêlo o couro e os ossos!
(ANDRADE, Carlos Drummond de. Da utilidade dos animais. In: Para gostar
de ler. 4ed. São Paulo: Ática, 1979. v.4, p. 17-20)
Vocabulário:
texugo - mamífero de corpo atarracado, cauda curta e pêlos rijos que vive em grandes tocas cavadas no
solo.
vicunha - mamífero da família dos camelídeos encontrado nos Andes do Peru, Bolívia, Argentina e Chile.
nitrato - elemento químico usado em fertilizantes
living - sala de estar
biguá - ave aquática
bacaninhas (gíria) - bonitinhas, elegantes, simpáticas
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